Tácticas para não fazer nada, na função pública - II
PARASITA: então, por aqui de novo?
VISITA: É. Fiquei com a sensação de que não me tinhas dito tudo.
PARASITA: Pois. Há muitas maneiras matar pulgas, ou seja, neste caso, há muitas formas de um tipo se safar sem ter que bulir muito.
VISITA: Da maneira que falas até parece que esse é o grande objectivo do pessoal: não fazer nada.
PARASITA: Isso é a imagem que passa, mas, na verdade, até é injusto. Há muito pessoal que trabalha, que veste a camisola, como costumam dizer. Mas também há quem faça tudo para se ir safando e, muitas vezes, com sucesso.
Uma das formas mas comuns é, pura e simplesmente, dar a ideia de que o que fazemos é de uma complexidade elevadíssima, uma coisa do outro mundo. Se as chefias não dominarem o processo, como muitas vezes acontece, isso pode ser relativamente simples.
VISITA: Mas não se precebe logo que é treta?
PARASITA: As tarefas que hoje existem são muito variadas. Por vezes têm alguma tecnicidade e são realizadas apenas por uma ou duas pessoas na instituição. Os detalhes são apenas conhecidos de quem trata directamente do assunto.
Se conseguires vender a ideia de que determinada tarefa é uma coisa complicadíssima, consegues dessa forma justificar uma produtividade miserável, sob uma capa de trabalho dedicado, e ainda por cima, afirmas-te como imprescindível.
VISITA: Quer dizer, o pessoal faz o que quer. Então não há procedimentos que descrevam essas tarefas?
PARASITA: Vão começando a haver, aqui e ali, com esta história dos manuais da qualidade, das certificações, mas ainda não é uma prática generalizada.
Por outro lado, quanto mais complexo for o assunto, menos vontade tem o chefe de se meter; ele quer é o trabalho feito. Os detalhes da coisa são, muitas vezes, incompreensíveis e um ou dois termos técnicos bem metidos na conversa tiram a vontade de tentar perceber o que quer que seja. Por um lado, para quem domina o processo, é conveniente manter a aura de mistério e complexidade; por outro, para o superior, não há muita motivação para tentar perceber melhor do que se trata. Até porque se percebesse que, afinal aquilo não é assim tão complicado ficava com um problema de gestão em mãos. Teria que se confrontar a pessoa em causa e isso não faz parte desta cultura da pancadinhas nas costas e em que, quanto menos chatices, melhor.
VISITA: Estou a ver.
PARASITA: Há uma outra variante: enquanto uns vendem a ideia de que fazem coisas tremendamente complexas e que só uns iluminados dominam (apostam na vertente qualidade), alguns fazem passar a ideia de que o volume de trabalho que têm em mãos é desmesuradamente elevado, pelo que nem pensar em dar-lhes mais trabalho (é a opção baseada na quantidade).
VISITA: Mas nesse caso é muito mais fácil de desmascarar. Basta contar o trabalho feito para perceber que é pouco.
PARASITA: Não é assim tão simples. É necessário dominar um pouco o processo para perceber se determinada quantidade de trabalho é muito ou pouco. E, como já disso, isso nem sempre acontece. Noutros casos até seria fácil perceber de que se trata de algo pouco consistente, mas, mais uma vez, como obrigar certas pessoas a fazer mais? Isso levaria a conflitos e aborrecimentos e o pessoal acha que não ganha para isso. Além disso, estou certo de que, em muitos deses casos, a pessoa em causa teria o cuidado de degradar o trabalho o suficiente para fazer passar a mensagem de que não é possível fazer tanto com boa qualidade, pelo que é preferível ir fazendo umas coisitas, mas mais-ou-menos bem feitas.
Se fosses o responsável, o chefe, o que peferias: muito trabalho mal feito ou menos, mas que se aproveite? É essa a ideia que está por trás disto: fazer crer que não é possível fazer as coisas bem feitas se obrigarem a fazer mais.
VISITA: Estou siderado. Parece que a função pública é uma escola onde se aprende a balda , assim como dizem que as prisões são escolas de crime. Não admira que a nossa produtividade seja a mais baixa da Europa.
PARASITA: Sabes, apesar do que disse, isto não é a regra. A produtividade da função pública é como aquela história dos frangos: Uma família como dois frangos por semana; a outra não como nenhum. Qual é a média? Um frango por família. Aqui é o mesmo.
Uns não fazem grande coisa, outros trabalham razoavelmente e há também os que fazem muito mais do que seria normal. A média acaba por ser o resultado disto tudo.
VISITA: Lá isso é verdade.
PARASITA: Há também os que não fazem nada porque não lhe dão que fazer: as chamadas prateleiras douradas.
VISITA: Porquê?
PARASITA: Olha, por muitas razões: porque caíram em desgraça, porque não são da côr, porque são incómodos e não se consegue ou é inconveniente correr com eles, etc, etc.
Além disso, com os ciclos eleitorais há clientelas a satisfazer, independentemente das suas competências. Há sempre gente a colocar e muitos lugares apetecíveis. As listas de pessoas e de colocações têm as suas hierarquias, basta jogar com estas listas de forma a não deixar gente com mais peso por satisfazer. Quando as coisas mudarem, vão para outro lado. Entretanto não produziram nada de jeito, mas desde que não destruam muito...
VISITA: Por muito que tente não consigo perceber porque é que não se tomam medidas. Fala-se tanto em reformas da administração, em melhor gestão dos recursos, em optimização, recionalização...
PARASITA: Pois, mas resolver isto teria custos que não interessam a muita gente.
VISITA: Bom, por hoje chega. Pode ser que a reforma da Administração que estão a fazer, o tal PRACE, ajude a melhorar isto.
PARASITA: É, e já agora vai fazendo a cartinha para o Pai Natal.
quinta-feira, junho 29, 2006
quinta-feira, junho 15, 2006
Tácticas para não fazer nada, na função pública
PARASITA: entra, entra.
VISITA: olha lá, não te quero criar problemas, nem interromper o teu trabalho.
PARASITA: não há problema. Fechamos a porta e, para todos os efeitos, estamos numa reunião; és um cliente.
Ninguém nos vai chatear e se baterem à porta, eu peço para não interromperem a reunião e depois invento qualquer coisa.
VISITA: ok, tu é que sabes. E então, tens muito trabalho?
PARASITA: vou-me distraindo com alguma coisa. Toda a gente diz que tem muito trabalho, mas não é bem assim. Sabes, na função pública temos que saber viver com o sistema. Há várias maneiras de ir vivendo sem fazer nenhum.
VISITA: como?
PARASITA: eu explico. Há várias tácticas:Uma das mais eficazes é fazer sempre má cara e responder torto quando nos pedem qualquer coisa.
Resulta sempre.
VISITA: mas como é que isso funciona? As chefias deixam?
PARASITA: sabes, a lógica é esta: o que interessa é que as coisas se façam com o mínimo de chatice.
Se alguém pede alguma coisa, seja o chefe ou outro colega e respondermos constantemente de forma agressiva, fazendo uma cara de mau, resmungando, etc, passado pouco tempo deixam de nos pedir nada.
Passam a pedir a outro, porque há sempre algum(a) palerma que diz sempre que sim. É por isso que o sistema funciona: na função pública ainda há muita gente que não sabe dizer que não e vai levando isto às costas.
VISITA: mas isso não é justo. Assim, uns não fazem nada e outros ficam sobrecarregados com trabalho.
PARASITA: vejo que percebeste como isto funciona. É isso mesmo.
VISITA: e como é que as deixam que isso funcione assim. Os chefes não sabem?
PARASITA: os chefes directos normalmente devem saber, mas, tirando algumas excepções, como te disse, o importante é que o trabalho apareça feito. As pessoas acham que não ganham o suficiente para se chatear. Se as coisas acabam por ser feitas, qual é o problema? Quem é que está para aturar um tipo que reage sempre mal a qualquer solicitação?
Lembro-me daquele instituto em que o director novo, quando chegou, só pedia trabalho a uma colaboradora, mesmo quando o trabalho era de área de outra. Esta última, já no topo de carreira, é conhecida por responder sempre torto a qualquer solicitação. A outra, simpática e sempre disponível, ia-lhe dizendo quando o trabalho pertencia à área da colega, mas continuava a fazê-lo, até que se cansou e teve uma conversa com o chefe. Disse-lhe que assim não podia ser. O chefe respondeu: sabe, ela faz sempre tão má cara quando lhe peço alguma coisa!
Quando a funcionária lhe disse que não era justo, porque a colega ganhava o dobro e não fazia nada e ela estava sempre sobrecarregada, sabes qual a resposta do chefe? "Não pode pensar assim e, além disso confio muito mais no seu trabalho, é por isso que só lhe peço a si".
VISITA: e no que é que isso deu?
PARASITA: a palerma que fazia tudo fartou-se e pediu transferência. Aí o chefe acordou e começou a pedir uma ou duas coisitas à outra muito a medo, mas logo trataram de ver se não concediam a tansferência porque isso dava conta do esquema. Já viste: se ela se fosse embora como é que se fazia o trabalho? Teriam que enfrentar a fera? Ficou tudo na mesma.
VISITA: eu tinha a impressão de que havia algumas situações desse género, mas nunca pensei que fosse mesmo assim.
PARASITA: isto ainda tem outra implicação: os tipos que fazem tudo acabam, muitas vezes, por ter que andar a trabalhar fora de horas e, mesmo assim, ter trabalho atrasado, enquanto os espertos nunca estão em falta. Depois, se for preciso pedir contas de algo que não foi feito a horas, ainda vão chatear os que estão sobrecarregados, porque foram eles que não cumpriram.
VISITA: acho que não conseguia trabalhar num sítio assim.
PARASITA: Isto de responder torto e resmungar tem uma outra variante, usada também por pessoas que até trabalham alguma coisa.
VISITA: ai é?
PARASITA: sim. Algumas pessoas tratam os colegas frequentemente como atrasados mentais. É uma atitude muito usada, principalmente por informáticos, embora nem todos sejam assim. Quando alguém coloca algumas dúvidas, ou alguma questão, ou faz algum erro, faz-se sentir a pessoa em causa uma idiota. Da próxima vez que tiver alguma questão ou dúvida, pensa duas vezes antes de recorrer ao mesmo colega pedindo ajuda?
VISITA: mas, olha lá, não é suposto os informáticos darem apoio e ajudarem a resolver problemas informáticos?
PARASITA: É, mas isto já é uma questão clássica. Se calhar é um problema de comunicação. É verdade que, às vezes, há pessoas que, ao lidar com a informática, parece que se lhes
desliga algum botão e perdem capacidade de raciocínio. Subitamente deixam de funcionar normalmente.
Se calhar é algo intrinsecamente associado ao uso de computadores, ou um trauma qualquer.
VISITA: então como é que se resolvem os problemas?
PARASITA: depende da urgência da questão e de quem está disponível. Se não houver mais ninguém para resolver, tem que se engolir o orgulho e lá ir pedir ajuda ao génio que lida tu-cá-tu-lá com estas máquinas infernais. De qualquer forma, tudo se torna mais fácil se houver mais alguém a quem recorrer. Normalmente, haverá sempre um palerma que não responde torto e que vai levando com tudo em cima. Nem todos tratam os colegas sistematicamente como imbecis. Há informáticos que, mesmo não entendendo as razões que estão por trás de alguns comportamentos em frente ao écran, são compreensivos e têm paciência para os colegas. Provavelmente entendem que todos, em alguma circunstância, precisam de ajuda. Ou então são simplesmente otários.
VISITA: mas esses não se fartam?
PARASITA: às vezes, é difícil, mas quais são as alternativas. Imagina: um colega pede ajuda e se tu não o ajudares, ele não consegue resolver o problema. O que é fazer? O colega ali à tua frente, desesperado ...
Lembro-me daquele caso, em que havia vários funcionários no departamento de informática e havia já muitos colegas que só recorriam a um deles, mesmo que o assunto fosse da responsabilidade de outros.
Quando ele dizia que a questão deveria ser colocada a fulano, vinham logo apelar ao seu bom coração.
Não estavam para ser maltratados nem levar respostas desagradáveis do A dou do B. Alguns diziam mesmo que se recusavem a pedir alguma coisa a qualquer um dos outros, mesmo sabendo que o assunto era da responsabilidade de um outro. Ainda hoje parece que é mais-ou-menos assim.
VISITA: e como é que ele reagia?
PARASITA: lá ia ajudando. Tornou-se difícil, porque interrompiam constantemente o seu trabalho, mas ele tinha pena dos colegas.
VISITA: começo a perceber melhor como isto funciona.
PARASITA: há outras tácticas que também garantem excelentes resultados. Uma das melhores é simplesmente não saber fazer o trabalho.
VISITA: como!?
PARASITA: é como te disse. Se não souberes fazer, não te pedem que o faças. É simples e eficaz.
VISITA: mas isso pode ser razão para não trabalhar? Supostamente as pessoas têm funções e devem ter competência para as realizar, não?
PARASITA: não é assim tão simples. Há sempre coisas novas, alterações, evolução, novas tarefas, novos projectos.
VISITA: e não há formação?
PARASITA: isso é outro assunto. Muitas vezes não há formação adequada, mas, quando há, nem todos a vêem com bons olhos. Tás a ver, se receberem formação, terão mais dificuldade em dizer que não sabem. Assim, há muito boa gente que não gosta de receber formação. Enquanto não souberem fazer, estão descansadinhos.
VISITA: isso é incrível.
PARASITA: é ainda pior. Há alguns que, por mais formação que recebam, formal ou não, nunca sabem fazer. Explicas uma vez, duas, três, e continuam a fazer mal, a cometer sistematicamente os mesmo erros. Já estás a ver o resultado. É como te disse há pouco. Se há uns que não sabem e outros que não dão problemas, levam estes com o trabalho.
VISITA: e não há penalizações nem reconhecimento do trabalho ? Os chefes não vêem isso?
PARASITA: o quê? Vê-se que não percebes nada disto. Alguns ainda vão tentando tomar algumas medidas, mas é muito difícil, principalmente quando há prazos para cumprir e às chefias superiores também só interessam os resultados finais. Como é que obrigas alguém a trabalhar, se a pessoa não sabe? E se sabes que sistematicamente faz mal o que se lhe pede? Imagina que tens que apresentar um trabalho qualquer: pedes a quem o faz bem e sem levantar ondas ou a quem só faz asneira ou cria complicação atrás de complicação?
Garanto-te: é muito útil não saber fazer, ser incompetente. Se alguém diz que não sabe e tu estás a precisar do trabalho com urgência, só tens uma solução: garantir que alguém o faz sem levantar problemas. A questão é sempre a mesma: o que interessa é o trabalho feito e o mínimo de chatice. Quanto a penalizações ou reconhecimentos, vê-se mesmo que não percebes: ainda gozam com os que trabalham: são as famosas medalhas de cortiça.
VISITA: mas isso é muito injusto. Só penaliza os que são interessados, que gostam de aprender, que se preocupam.
PARASITA: é assim que as coisas funcionam e não vale a pena pensar que mudam facilmente.
VISITA: e as avaliações? As pessoas não são avaliadas pelo seu desempenho?
PARASITA: do que tu te foste lembrar. Há avaliações, mas isso é um tema muito complexo e já não há tempo hoje. Teremos que falar disso noutra altura. Está quase na hora de me ir embora e está-me a apetecer um cafezinho. Vens?
VISITA: obrigado, mas fica para outra altura. Vou andando. Hoje já me deixaste muito abananado.
PARASITA: então está bem. Levo-te à saída. Adeus.
PARASITA: entra, entra.
VISITA: olha lá, não te quero criar problemas, nem interromper o teu trabalho.
PARASITA: não há problema. Fechamos a porta e, para todos os efeitos, estamos numa reunião; és um cliente.
Ninguém nos vai chatear e se baterem à porta, eu peço para não interromperem a reunião e depois invento qualquer coisa.
VISITA: ok, tu é que sabes. E então, tens muito trabalho?
PARASITA: vou-me distraindo com alguma coisa. Toda a gente diz que tem muito trabalho, mas não é bem assim. Sabes, na função pública temos que saber viver com o sistema. Há várias maneiras de ir vivendo sem fazer nenhum.
VISITA: como?
PARASITA: eu explico. Há várias tácticas:Uma das mais eficazes é fazer sempre má cara e responder torto quando nos pedem qualquer coisa.
Resulta sempre.
VISITA: mas como é que isso funciona? As chefias deixam?
PARASITA: sabes, a lógica é esta: o que interessa é que as coisas se façam com o mínimo de chatice.
Se alguém pede alguma coisa, seja o chefe ou outro colega e respondermos constantemente de forma agressiva, fazendo uma cara de mau, resmungando, etc, passado pouco tempo deixam de nos pedir nada.
Passam a pedir a outro, porque há sempre algum(a) palerma que diz sempre que sim. É por isso que o sistema funciona: na função pública ainda há muita gente que não sabe dizer que não e vai levando isto às costas.
VISITA: mas isso não é justo. Assim, uns não fazem nada e outros ficam sobrecarregados com trabalho.
PARASITA: vejo que percebeste como isto funciona. É isso mesmo.
VISITA: e como é que as deixam que isso funcione assim. Os chefes não sabem?
PARASITA: os chefes directos normalmente devem saber, mas, tirando algumas excepções, como te disse, o importante é que o trabalho apareça feito. As pessoas acham que não ganham o suficiente para se chatear. Se as coisas acabam por ser feitas, qual é o problema? Quem é que está para aturar um tipo que reage sempre mal a qualquer solicitação?
Lembro-me daquele instituto em que o director novo, quando chegou, só pedia trabalho a uma colaboradora, mesmo quando o trabalho era de área de outra. Esta última, já no topo de carreira, é conhecida por responder sempre torto a qualquer solicitação. A outra, simpática e sempre disponível, ia-lhe dizendo quando o trabalho pertencia à área da colega, mas continuava a fazê-lo, até que se cansou e teve uma conversa com o chefe. Disse-lhe que assim não podia ser. O chefe respondeu: sabe, ela faz sempre tão má cara quando lhe peço alguma coisa!
Quando a funcionária lhe disse que não era justo, porque a colega ganhava o dobro e não fazia nada e ela estava sempre sobrecarregada, sabes qual a resposta do chefe? "Não pode pensar assim e, além disso confio muito mais no seu trabalho, é por isso que só lhe peço a si".
VISITA: e no que é que isso deu?
PARASITA: a palerma que fazia tudo fartou-se e pediu transferência. Aí o chefe acordou e começou a pedir uma ou duas coisitas à outra muito a medo, mas logo trataram de ver se não concediam a tansferência porque isso dava conta do esquema. Já viste: se ela se fosse embora como é que se fazia o trabalho? Teriam que enfrentar a fera? Ficou tudo na mesma.
VISITA: eu tinha a impressão de que havia algumas situações desse género, mas nunca pensei que fosse mesmo assim.
PARASITA: isto ainda tem outra implicação: os tipos que fazem tudo acabam, muitas vezes, por ter que andar a trabalhar fora de horas e, mesmo assim, ter trabalho atrasado, enquanto os espertos nunca estão em falta. Depois, se for preciso pedir contas de algo que não foi feito a horas, ainda vão chatear os que estão sobrecarregados, porque foram eles que não cumpriram.
VISITA: acho que não conseguia trabalhar num sítio assim.
PARASITA: Isto de responder torto e resmungar tem uma outra variante, usada também por pessoas que até trabalham alguma coisa.
VISITA: ai é?
PARASITA: sim. Algumas pessoas tratam os colegas frequentemente como atrasados mentais. É uma atitude muito usada, principalmente por informáticos, embora nem todos sejam assim. Quando alguém coloca algumas dúvidas, ou alguma questão, ou faz algum erro, faz-se sentir a pessoa em causa uma idiota. Da próxima vez que tiver alguma questão ou dúvida, pensa duas vezes antes de recorrer ao mesmo colega pedindo ajuda?
VISITA: mas, olha lá, não é suposto os informáticos darem apoio e ajudarem a resolver problemas informáticos?
PARASITA: É, mas isto já é uma questão clássica. Se calhar é um problema de comunicação. É verdade que, às vezes, há pessoas que, ao lidar com a informática, parece que se lhes
desliga algum botão e perdem capacidade de raciocínio. Subitamente deixam de funcionar normalmente.
Se calhar é algo intrinsecamente associado ao uso de computadores, ou um trauma qualquer.
VISITA: então como é que se resolvem os problemas?
PARASITA: depende da urgência da questão e de quem está disponível. Se não houver mais ninguém para resolver, tem que se engolir o orgulho e lá ir pedir ajuda ao génio que lida tu-cá-tu-lá com estas máquinas infernais. De qualquer forma, tudo se torna mais fácil se houver mais alguém a quem recorrer. Normalmente, haverá sempre um palerma que não responde torto e que vai levando com tudo em cima. Nem todos tratam os colegas sistematicamente como imbecis. Há informáticos que, mesmo não entendendo as razões que estão por trás de alguns comportamentos em frente ao écran, são compreensivos e têm paciência para os colegas. Provavelmente entendem que todos, em alguma circunstância, precisam de ajuda. Ou então são simplesmente otários.
VISITA: mas esses não se fartam?
PARASITA: às vezes, é difícil, mas quais são as alternativas. Imagina: um colega pede ajuda e se tu não o ajudares, ele não consegue resolver o problema. O que é fazer? O colega ali à tua frente, desesperado ...
Lembro-me daquele caso, em que havia vários funcionários no departamento de informática e havia já muitos colegas que só recorriam a um deles, mesmo que o assunto fosse da responsabilidade de outros.
Quando ele dizia que a questão deveria ser colocada a fulano, vinham logo apelar ao seu bom coração.
Não estavam para ser maltratados nem levar respostas desagradáveis do A dou do B. Alguns diziam mesmo que se recusavem a pedir alguma coisa a qualquer um dos outros, mesmo sabendo que o assunto era da responsabilidade de um outro. Ainda hoje parece que é mais-ou-menos assim.
VISITA: e como é que ele reagia?
PARASITA: lá ia ajudando. Tornou-se difícil, porque interrompiam constantemente o seu trabalho, mas ele tinha pena dos colegas.
VISITA: começo a perceber melhor como isto funciona.
PARASITA: há outras tácticas que também garantem excelentes resultados. Uma das melhores é simplesmente não saber fazer o trabalho.
VISITA: como!?
PARASITA: é como te disse. Se não souberes fazer, não te pedem que o faças. É simples e eficaz.
VISITA: mas isso pode ser razão para não trabalhar? Supostamente as pessoas têm funções e devem ter competência para as realizar, não?
PARASITA: não é assim tão simples. Há sempre coisas novas, alterações, evolução, novas tarefas, novos projectos.
VISITA: e não há formação?
PARASITA: isso é outro assunto. Muitas vezes não há formação adequada, mas, quando há, nem todos a vêem com bons olhos. Tás a ver, se receberem formação, terão mais dificuldade em dizer que não sabem. Assim, há muito boa gente que não gosta de receber formação. Enquanto não souberem fazer, estão descansadinhos.
VISITA: isso é incrível.
PARASITA: é ainda pior. Há alguns que, por mais formação que recebam, formal ou não, nunca sabem fazer. Explicas uma vez, duas, três, e continuam a fazer mal, a cometer sistematicamente os mesmo erros. Já estás a ver o resultado. É como te disse há pouco. Se há uns que não sabem e outros que não dão problemas, levam estes com o trabalho.
VISITA: e não há penalizações nem reconhecimento do trabalho ? Os chefes não vêem isso?
PARASITA: o quê? Vê-se que não percebes nada disto. Alguns ainda vão tentando tomar algumas medidas, mas é muito difícil, principalmente quando há prazos para cumprir e às chefias superiores também só interessam os resultados finais. Como é que obrigas alguém a trabalhar, se a pessoa não sabe? E se sabes que sistematicamente faz mal o que se lhe pede? Imagina que tens que apresentar um trabalho qualquer: pedes a quem o faz bem e sem levantar ondas ou a quem só faz asneira ou cria complicação atrás de complicação?
Garanto-te: é muito útil não saber fazer, ser incompetente. Se alguém diz que não sabe e tu estás a precisar do trabalho com urgência, só tens uma solução: garantir que alguém o faz sem levantar problemas. A questão é sempre a mesma: o que interessa é o trabalho feito e o mínimo de chatice. Quanto a penalizações ou reconhecimentos, vê-se mesmo que não percebes: ainda gozam com os que trabalham: são as famosas medalhas de cortiça.
VISITA: mas isso é muito injusto. Só penaliza os que são interessados, que gostam de aprender, que se preocupam.
PARASITA: é assim que as coisas funcionam e não vale a pena pensar que mudam facilmente.
VISITA: e as avaliações? As pessoas não são avaliadas pelo seu desempenho?
PARASITA: do que tu te foste lembrar. Há avaliações, mas isso é um tema muito complexo e já não há tempo hoje. Teremos que falar disso noutra altura. Está quase na hora de me ir embora e está-me a apetecer um cafezinho. Vens?
VISITA: obrigado, mas fica para outra altura. Vou andando. Hoje já me deixaste muito abananado.
PARASITA: então está bem. Levo-te à saída. Adeus.
sábado, junho 10, 2006
Sou um funcionário público, i.e., um dos mais de 700 mil parasitas que vivem à custa dos vossos impostos.
Sou um daqueles tipos que, supostamente, passa o dia sem fazer nada, a ler o jornal, ou que deixa o casaco nas costas da cadeira para que todos saibam que "estou lá", mas que, curiosamente, nunca se encontra quando é preciso.
Sim, pertenço a esta espécie tipicamente nacional que se começa a sentir acossada por medidas que visam violar os nossos mais elementares direitos.
Preciso de desabafar. Assim, decidi criar este espaço que utilizarei para partilhar as minhas preocupações (não o farei no horário de trabalho, porque, nessa altura deverei estar muito ocupado ... ).
Sou um daqueles tipos que, supostamente, passa o dia sem fazer nada, a ler o jornal, ou que deixa o casaco nas costas da cadeira para que todos saibam que "estou lá", mas que, curiosamente, nunca se encontra quando é preciso.
Sim, pertenço a esta espécie tipicamente nacional que se começa a sentir acossada por medidas que visam violar os nossos mais elementares direitos.
Preciso de desabafar. Assim, decidi criar este espaço que utilizarei para partilhar as minhas preocupações (não o farei no horário de trabalho, porque, nessa altura deverei estar muito ocupado ... ).
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