quinta-feira, junho 29, 2006

Tácticas para não fazer nada, na função pública - II

PARASITA: então, por aqui de novo?

VISITA: É. Fiquei com a sensação de que não me tinhas dito tudo.

PARASITA: Pois. Há muitas maneiras matar pulgas, ou seja, neste caso, há muitas formas de um tipo se safar sem ter que bulir muito.

VISITA: Da maneira que falas até parece que esse é o grande objectivo do pessoal: não fazer nada.

PARASITA: Isso é a imagem que passa, mas, na verdade, até é injusto. Há muito pessoal que trabalha, que veste a camisola, como costumam dizer. Mas também há quem faça tudo para se ir safando e, muitas vezes, com sucesso.

Uma das formas mas comuns é, pura e simplesmente, dar a ideia de que o que fazemos é de uma complexidade elevadíssima, uma coisa do outro mundo. Se as chefias não dominarem o processo, como muitas vezes acontece, isso pode ser relativamente simples.

VISITA: Mas não se precebe logo que é treta?

PARASITA: As tarefas que hoje existem são muito variadas. Por vezes têm alguma tecnicidade e são realizadas apenas por uma ou duas pessoas na instituição. Os detalhes são apenas conhecidos de quem trata directamente do assunto.

Se conseguires vender a ideia de que determinada tarefa é uma coisa complicadíssima, consegues dessa forma justificar uma produtividade miserável, sob uma capa de trabalho dedicado, e ainda por cima, afirmas-te como imprescindível.

VISITA: Quer dizer, o pessoal faz o que quer. Então não há procedimentos que descrevam essas tarefas?

PARASITA: Vão começando a haver, aqui e ali, com esta história dos manuais da qualidade, das certificações, mas ainda não é uma prática generalizada.

Por outro lado, quanto mais complexo for o assunto, menos vontade tem o chefe de se meter; ele quer é o trabalho feito. Os detalhes da coisa são, muitas vezes, incompreensíveis e um ou dois termos técnicos bem metidos na conversa tiram a vontade de tentar perceber o que quer que seja. Por um lado, para quem domina o processo, é conveniente manter a aura de mistério e complexidade; por outro, para o superior, não há muita motivação para tentar perceber melhor do que se trata. Até porque se percebesse que, afinal aquilo não é assim tão complicado ficava com um problema de gestão em mãos. Teria que se confrontar a pessoa em causa e isso não faz parte desta cultura da pancadinhas nas costas e em que, quanto menos chatices, melhor.

VISITA: Estou a ver.

PARASITA: Há uma outra variante: enquanto uns vendem a ideia de que fazem coisas tremendamente complexas e que só uns iluminados dominam (apostam na vertente qualidade), alguns fazem passar a ideia de que o volume de trabalho que têm em mãos é desmesuradamente elevado, pelo que nem pensar em dar-lhes mais trabalho (é a opção baseada na quantidade).

VISITA: Mas nesse caso é muito mais fácil de desmascarar. Basta contar o trabalho feito para perceber que é pouco.

PARASITA: Não é assim tão simples. É necessário dominar um pouco o processo para perceber se determinada quantidade de trabalho é muito ou pouco. E, como já disso, isso nem sempre acontece. Noutros casos até seria fácil perceber de que se trata de algo pouco consistente, mas, mais uma vez, como obrigar certas pessoas a fazer mais? Isso levaria a conflitos e aborrecimentos e o pessoal acha que não ganha para isso. Além disso, estou certo de que, em muitos deses casos, a pessoa em causa teria o cuidado de degradar o trabalho o suficiente para fazer passar a mensagem de que não é possível fazer tanto com boa qualidade, pelo que é preferível ir fazendo umas coisitas, mas mais-ou-menos bem feitas.

Se fosses o responsável, o chefe, o que peferias: muito trabalho mal feito ou menos, mas que se aproveite? É essa a ideia que está por trás disto: fazer crer que não é possível fazer as coisas bem feitas se obrigarem a fazer mais.


VISITA: Estou siderado. Parece que a função pública é uma escola onde se aprende a balda , assim como dizem que as prisões são escolas de crime. Não admira que a nossa produtividade seja a mais baixa da Europa.

PARASITA: Sabes, apesar do que disse, isto não é a regra. A produtividade da função pública é como aquela história dos frangos: Uma família como dois frangos por semana; a outra não como nenhum. Qual é a média? Um frango por família. Aqui é o mesmo.

Uns não fazem grande coisa, outros trabalham razoavelmente e há também os que fazem muito mais do que seria normal. A média acaba por ser o resultado disto tudo.

VISITA: Lá isso é verdade.

PARASITA: Há também os que não fazem nada porque não lhe dão que fazer: as chamadas prateleiras douradas.

VISITA: Porquê?

PARASITA: Olha, por muitas razões: porque caíram em desgraça, porque não são da côr, porque são incómodos e não se consegue ou é inconveniente correr com eles, etc, etc.

Além disso, com os ciclos eleitorais há clientelas a satisfazer, independentemente das suas competências. Há sempre gente a colocar e muitos lugares apetecíveis. As listas de pessoas e de colocações têm as suas hierarquias, basta jogar com estas listas de forma a não deixar gente com mais peso por satisfazer. Quando as coisas mudarem, vão para outro lado. Entretanto não produziram nada de jeito, mas desde que não destruam muito...

VISITA: Por muito que tente não consigo perceber porque é que não se tomam medidas. Fala-se tanto em reformas da administração, em melhor gestão dos recursos, em optimização, recionalização...

PARASITA: Pois, mas resolver isto teria custos que não interessam a muita gente.

VISITA: Bom, por hoje chega. Pode ser que a reforma da Administração que estão a fazer, o tal PRACE, ajude a melhorar isto.

PARASITA: É, e já agora vai fazendo a cartinha para o Pai Natal.

1 comentário:

Maria Romeiras disse...

Pois, a dos frangos. Estatística significa "ciência do estado". É portanto uma construção, mesmo que quando contra os homens que o deviam formar.