domingo, setembro 24, 2006

As boas instituições ... e os erros

Há uns anos estive envolvido na criação de um projecto educativo que na altura incluía creche, pré-escolar e 1º ciclo do ensino básico. Tudo era novo na escola: o edifício, os professores e restantes funcionários, os alunos. Enquanto responsável máximo da escola, resolvi fazer uma reunião com todos os pais para apresentar formalmente o projecto educativo e agradecer a confiança por terem inscrito as suas crianças numa escola acabada de nascer, sem provas dadas, portanto.

A reunião teve lugar quando já se tinham iniciado as aulas há alguns dias. O salão estava cheio. Os pais ansiosos (e nós também).

Lembro-me que, no caminho para a escola me informaram que um familiar próximo tinha sofrido um acidente e que estava no hospital, pelo que já ia nervoso e preocupado. Cheguei e iniciámos a reunião, de acordo com o programa que tínhamos preparado.

Estava eu a discursar há alguns minutos, salientando aquilo que nos pareciam ser os méritos do nosso projecto, quando subitamente fui interrompido por um casal. Eram pais de uma menina.
Como acontece em muitas escolas, no fim do dia, algumas crianças eram levadas a casa pela carrinha da escola; outras eram recolhidas na escola por um familiar. Na véspera, devido a um erro que não interessa aqui especificar, durante algum tempo não se soube do paradeiro da menina. Se bem me lembro, não se achava na escola e não se conseguia saber se teria seguido na carrinha.

Imagine-se a situação. Os pais estavam bastantes zangados, principalmente a mãe que teve um discurso bastante violento. A situação, já de si grave do desconhecimento do paradeiro da criança, tinha tomado uma dimensão ainda maior porque, perante o problema, alguns colaboradores não tinham sabido lidar com a questão, alijando responsabilidades para cima de outros, o que só tinha aumentado a insegurança dos pais e contribuído para que o problema aumentasse de dimensão.

Não tenho presente se teria sido avisado previamente do problema ou não, mas lembro-me que, com todos os pais olhando para mim, tive enfrentar a situação no momento. Embora não fosse culpado pela situação, era o responsável, pelo que assumi o erro e prometi que tomaríamos todas as medidas para que semelhantes situações nunca mais voltassem a ocorrer. Lembrei que eu assumia o mesmo risco que todos ao colocar também um dos meus filhos na escola e prometi aos pais da menina que não se iriam arrepender de ter confiado em nós colocando a sua filha ao nosso cuidado.

A reunião continuou num ambiente muito mais pesado do que eu gostaria, como é óbvio.

Logo que possível, tive oportunidade de falar com os colaboradores em causa, salientando a necessidade de perante situações de erro, se deverem enfrentar os problemas com calma, e nunca, em circunstância alguma, se devem despejar culpas para cima de colegas , mesmo que estes sejam responsáveis pela situação. O cliente não precisa de saber quem é culpado, precisa do problema resolvido da melhor forma e sem que lhe demos razão para deixar de confiar em nós. É óbvio que se tomaram imediatamente medidas destinadas a impedir que situações do género se voltassem a repetir.

Meses mais tarde, num dos eventos em que os pais são convidados a estar com os seus filhos na escola (provavelmente num Dia do Pai) lembro-me do pai da menina ter vindo ter comigo, para me dizer que não se esquecia do que eu lhe tinha dito e que não estavam arrependidos de ter mantido a criança na escola.

Pouco tempo depois, na altura em que estava na moda a "paixão da educação", tive o prazer de receber nesta escola com apenas dois ou três anos de existência uma delegação do governo liderada pelo Primeiro Ministro, que, no início de um ano lectivo, entendeu destacá-la publicamente honrando-nos com a sua presença.

A escola continuava a não ser perfeita, continuavam a cometer-se erros, mas a atitude com que sempre foram enfrentados fez dela uma boa escola, onde os mesmo erros raramente se repetem e se pode confiar que, se existirem problemas, são enfrentados e alguém dá a cara por eles.

As boas instituições não são as que não cometem erros; são as que os enfrentam e aprendem com eles, para não os repetir.

António Neves

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